Saber, para bem viver


Andava o Senhor Saber, com aspeto de possuir uma idade avançada a deambular num jardim de caminhos cobertos de folhas caídas, multicores umas e descoloridas outras, por via dos ventos de Outono, que abana as árvores como que para se despirem da roupa velha para a substituir na loja da Primavera, quando ao passar junto a uma esplanada, se viu refletido nas paredes de vidro….Há quanto tempo não se via, não via a sua imagem refletida….e sentiu-se … sentiu-se triste, tão triste que parecia que as forças o abandonavam….  
  Devagar, dirigiu-se para um banco do jardim, daqueles antigos, com ripas que faziam lembrar as ondas do Mar, onde os surfistas brincam e passeiam e sentou-se, olhando o azul do celestial céu, com uma lágrima teimosa a escorrer nos regos deixados pelas rugas….Foi ao reparar nestas mesmas rugas, refletidas no vidro, que se apercebera do seu estado. Estava a ficar velho e sem capacidade de renovação….
Um jovem, que passava, reparou no senhor e condoído, perguntou se podia ajudar em alguma coisa… O Saber olhou para o jovem, passou com as costas da mão pelo rosto e disse com uma voz meio soluçada:
- Olá…, por acaso até podes…e devagarinho, muito devagarinho, o rosto do Saber foi adquirindo um sorriso e um brilho que o tornava cada vez mais atraente sem se saber porquê….
- Então meu jovem companheiro como te chamas? - inquiriu o Senhor de idade aparentemente avançada.
- Viver…- respondeu o jovem
- Viver? Que nome estranho! Ainda mais estranho que o meu….Ouve lá, ó tu, que vives- inquiriu o velho com um sorriso- não te disseram lá em casa que não deves aproximar-te de desconhecidos?
- Dizer disseram, mas isso tem que servir como advertência para o perigo e não como intimidação que me leve ao medo e à perda do sentido de solidariedade…Olhei para o senhor e não pareceu que me pudesse fazer mal e então com a cara com que estava….De qualquer modo, se não corrermos alguns riscos, a sociedade transforma-se numa espécie de selva onde as pessoas sofrem e morrem e ninguém repara …ou fogem o que ainda é pior – concluiu o jovem já com o tom de voz um pouco alto de tão empolgado  que estava .
O velho estava de boca aberta a escutar e um brilho vivo de alegria bailava-lhe nos olhos. Deixou descair a cabeça, com o olhar fixo na terra que pisava, e num leve abanar, ergueu-a com um sorriso a raiar-lhe nos lábios e, olhando o rapaz com aquele olhar de orgulho, de satisfação que às vezes se vê nas pessoas, disse com a voz mais suave e doce que se possa imaginar, daquelas vozes que nos acalmam e nos fazem ver o mundo à nossa volta duma forma mais alegre:
- Sabes, meu rapaz, foste a coisa melhor que me aconteceu desde há muito tempo! Vou contar-te uma coisa sobre mim que tu nem vais acreditar, mas se acreditares em alguma coisa já é bom: eu represento e sou o Saber, nesta forma humana, para contactar as pessoas, sentir os conhecimentos, as emoções, as ações, etc…de forma a perceber a evolução do homem ao longo dos tempos. Sabes porque tenho este ar de Velho? - perguntou ao rapaz olhando-o de frente .
- …E triste - acrescentou o rapaz na sua inocência e afetividade que o envolvia ao velho.
O velho deu uma gargalhada com o comentário e a expressão do Viver.
- Não gosto que utilize a palavra velho! Continuou o moço- velho é para as coisas, não é para as pessoas. O senhor tem um nome e é por ele que deve ser tratado, ou então por senhor…
- Estou muito contente por me teres ajudado
- Mas não fiz nada!
- Fizeste e estás a fazer! … Vou continuar com a minha história se não te importas.
- Eu sou o Saber como já te disse e tenho muitos anos, mas, contrariamente às outras pessoas, não envelheço mais, as outras pessoas desaprendem ou esquecem o que aprenderam. Eu rejuvenesço com a divulgação do saber às pessoas! Por isso tenho todo o interesse em divulgá-lo para que as pessoas tenham melhor qualidade de vida, protejam a natureza, não sejam invejosas, egoístas e interesseiras, não façam guerras, etc….
O jovem Viver estava boquiaberto de espanto com a história fantástica. Nem conseguia falar. O senhor Saber continuou:
- A minha função é não deixar perder as tradições e os costumes entre as pessoas, a importância da família, a importância da espiritualidade sobre a matéria, para as pessoas perceberem que o materialismo como centro da vida (o dinheiro, a vaidade, o culto da beleza, dos vícios,..), impede que as crianças preservem a alegria da inocência, dos afetos, dos risos e das brincadeiras, impede que os jovens preservem as características da infância e tenham sonhos que lhes permita construir a vida no futuro, com base no estudo e no trabalho e na construção de amizades e afetos e, finalmente, impede que os adultos preservem a infância e a juventude o que os limita na construção global de si próprio quer na sua profissão quer na família que constrói, quer na sociedade…. Sabes, não basta ser boa pessoa, tens de te construir todos os dias e trabalhar para que um dia o fracasso e a revolta não te batam à porta e te tornes noutra pessoa….Uma pessoa que não queres, mas não consegues deixar…
- Desculpe que lhe diga, mas isso parece-me tudo uma “ganda” seca….-respondeu o jovem Viver. A vida é para viver hoje até ao limite que pudermos enquanto somos jovens. Se não fizer agora … nunca mais vou fazer….Estudar e trabalhar, posso fazer a vida inteira! Passear, farras, curtir…sei lá?! Acha que pode fazer isso com a idade que tem? Eu quero tirar um curso de engenharia ou técnico de eletricidade ou mecânico ou de informática, mas tenho muito tempo…
- O velho Saber levantou-se lentamente, olhou para o jovem com olhar indefinido e afastou-se devagar como se tivesse todo o tempo do mundo para chegar ao destino ou não tivesse sequer destino para onde ir….

Continua amanhã. Talvez queiras passar por cá.




Fernando Catarino

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